sábado, 24 de fevereiro de 2018

Meditação para o 2° Domingo da Quaresma

Pe. João Mendes SJ

     Um dos maiores cuidados dos homens é o esplendor físico do corpo. Desporto, ginástica, higiene, - quanta solicitude e quanto entusiasmo em valer fisicamente, e em ser bem constituído! Para os Gregos, a elegância, a saúde, a agilidade e a força, eram essenciais para a perfeição humana.
     E tudo isto tem razão de ser. Pois que, sendo nós espírito e matéria, só haverá homem perfeito quando o corpo o for também. O Evangelho da transfiguração, do domingo de hoje, pode até considerar-se, paradoxalmente, neste tempo da Quaresma e da penitência, como o triunfo da carne. Só que o cristão, admitindo o princípio de que devemos ter um corpo perfeito, acrescenta outra verdade e faz mudar a perspectiva de todas estas preocupações: o triunfo do corpo, a plena transfiguração da sua fraqueza, obtém-se mediante a graça. A transfiguração de Cristo é, pois, o penhor e o modelo da nossa transfiguração.

1. A TRANSFIGURAÇÃO DE CRISTO

     1. A humilhação do Verbo Encarnado. Normalmente, Cristo devia ter um corpo glorioso, como mostrou agora a Transfiguração, e como mostrará, depois, na Ressurreição. Mas " apesar de possuir a natureza divina..., aniquilou a sua grandeza, escolhendo a condição de escravo, e aparecendo, como simples homem, entre os outros homens." ( Fil 2,6) . É esta humilhação do Verbo Encarnado, que, se enquanto Deus, se não podia abater, enquanto Deus Encarnado podia tomar a condição de escravo. É fê-lo, por comiseração, solidariedade, zelo e imolação. Vindo, á sua família humana decaída, a reparar uma culpa soberba, a ensinar o caminho da humildade, e a resgatar-nos pela cruz, escolheu, por simpatia conosco, o abatimento e a dor, para que tivéssemos um pontífice compassivo e solidário das nossas misérias, e um Mestre que ensinasse mais com o exemplo do que com palavras..
     2. A transfiguração do Verbo Encarnado. Mas a humilhação era estado violento para Cristo. Porque: possuindo sua alma a visão beatífica, esta não podia deixar de iluminar de glória a sua humanidade de filho de Adão. A luz da Trindade tenderia, necessariamente, a transfigurar o seu corpo divino, como o sol incendeia o cristal em que incide. E a plenitude de vida divina, empolgando a pobre natureza humana, não podia deixar de a sublimar, de a espiritualizar, e de a glorificar; numa palavra: de lhe conferir os dotes do corpo glorioso. A Transfiguração não é, pois, em rigor, nenhum milagre nem nenhum estado extraordinário, mas a volta de Jesus, momentaneamente, à naturalidade da sua condição. É Deus que transparece no homem.

2. A TRANSFIGURAÇÃO DO CRISTÃO

     1. A miséria do homem. O homem tem, por natureza, o que Cristo tinha por livre escolha: sofremos, adoecemos e somos defeituosos, morremos por fim. E é contra esta fatalidade que nos persegue e angustia, que a ciência se lança com todos os seus esforços. Quem conseguirá vencer a dor? Quando aparecerá o homem perfeito?
     Esforços vãos, os da medicina e da indústria humana...Poderá restringir-se o domínio da doença, dilatar-se alguns anos o limite da vida - mas que é isso, senão um excitante mais, para mais sofregamente amarmos a plenitude da vida, e mais sofremos violência de tudo o que a ameaça? A empresa nunca será totalmente eficaz, porque a dor e a morte são consequências do pecado. Portanto o remédio também terá de ser de ordem sobrenatural. A vitória sobre o sofrimento está na Graça de Deus que é vida Divina, imortal e gloriosa.

     2. A transfiguração do homem. "esperamos um salvador que é Nosso Senhor Jesus Cristo, e que reformará o corpo da nossa humildade, configurado pelo corpo da sua glória" ( Fil 3,20) . De modo que a nossa transfiguração não é imediata, mas a demorada empresa da nossa vida, a conquista do sobrenatural, realizada no aferro da esperança, a ao preço das dores corajosamente aceites.
     É demorado e fica longe, mas é total e decisivo: libertamo-nos da miséria do poder do nosso corpo, deificando-nos! podíamos aspirar a mais? E então, quando aparecer realmente o que somos, a glória de Deus será o nosso próprio esplendor, a agilidade e sutileza serão a libertação deste nosso peso morto e matéria, e a impassibilidade nos fará divinamente inacessíveis ao sofrimento!

CONCLUSÕES

     1. A vida naturalista é portanto, a impaciência dos fracos, a desesperada sofreguidão de nos transfigurarmos de qualquer modo, e pelos meios mais à mão. No fundo, é a preguiça da verdadeira superação. E certas doutrinas de filósofos e sábios o que fazem é mascarar os pretextos dessa preguiça dando-lhes aparência de esforço e até de heroísmo. A arte laica tem sido a mais séria tentativa de transfiguração do homem pelos seus próprios recursos. Mas são tudo caminhos inoperantes, desvios e fugas do que é difícil, mas definitivo: "Esperamos um Salvador"
     2. O homem perfeito, neste mundo, pode ser, portanto, aquele que a sociedade rejeita como inútil e indesejável. O leproso, que é arredado para a gafaria, o paralítico, que parece a imagem da inutilidade e do estorvo, até o monstro, que inspira repulsa, todos, se levarem a sua dor, de olhos em Cristo, podem ser, desde já, homens perfeitos. Porque, coisa maravilhosa! Podem possuir, pela graça, o penhor de uma transfiguração muito mais gloriosa do que a daqueles que se ufanam de serem integralmente sãos e sem defeito. A dor e a doença tornam-se, pois, obreiras de beleza física, mediante uma esperança em Cristo: " esperamos um Salvador"

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