sábado, 17 de fevereiro de 2018

Meditação para o 1° Domingo da Quaresma

Pe. João Mendes SJ

     O presente domingo tem intima ligação com o anterior. O escândalo da cruz também se aparenta com a tribulação das tentações. Porque não viveremos em paz? Porquê este sentimento de instabilidade angustiosa debaixo dos nossos passos? Porque não serão seguros os caminhos?
     Da mesma forma que temos de sofrer, também temos de ser tentados; porque os sofrimentos e tentações são provas e garantias da nossa verdade interior. Somos sinceros para com Deus? Somos sinceros para conosco mesmos? No perigo se verá. Trata-se pois, duma simples prova, exame que pode e há de servir ao nosso triunfo na glória: " porque eras aceite a Deus, foi necessário que a tentação te provasse." ( Tob 12,18)
     É que, perante a facilidade com que nos iludimos e nos debilitamos, as tentações: ensinam-nos e fortalecem-nos.

1. ENSINAM

     1. Porque a paz ilude-nos sobre o que somos. Quando, na prosperidade tudo corre à medida dos nossos desejos, é tão difícil julgarmo-nos fortes, e atribuir-nos o bom êxito da nossa vida!... Daí que confiemos em nós mesmos, e que entremos a viver com a sensação habitual de segurança e estabilidade que supõem, por outro lado, esquecimento de Deus e da necessidade absoluta que temos d'Ele.
     
Vem a tentação a sacudir-nos a tranquilidade; declara-se uma crise em que tremem os arrimos que escoravam a nossa pretendida suficiência. E eis-nos desamparados, vogando ao acaso, com a revelação patente de todas as infâmias de que somos capazes, com as vertigens de todos os abismos. Aí está o que somos.
     2.A provação esclarece. É neste momento que a tentação nos ensina a orar e a apreciar a graça. Sentindo a nossa debilidade e atração do mal, espontaneamente olharemos para o céu e para Deus, como a criança que a mãe afastou um pouco, para a obrigar a caminhar para si. Saímos da terra firme e da segurança; fomos ao mar, colheu-nos a tempestade. E ao sentir-nos na solidão e na instabilidade das ondas, aprendemos a orar. E fizemos, a grande descoberta de que é pela graça que somos alguma coisa. O resto, ou é temperamento bem inclinado, ou clima moral de circunstâncias favoráveis.

2. FORTALECEM

     1. Porque a paz enfraquece-mos. O costume envilece. A prosperidade sempre bem sucedida, leva, insensivelmente, à rotina, à virtude sem convicção, à indolência moral. E como se insinuam, sutilmente, as impurezas do amor próprio nessa dormência da vontade que depôs as armas!... Como amortece aquela vigilância matutina, e aquele entusiasmo juvenil do querer, que fazem a autenticidade da virtude!...
     Mas lá vem a tentação, colocando o oiro no cadinho, e fazendo cair as escórias de todas as pequenas e grandes sensualidades! O mar agita-se, e as impurezas que por lá andavam, são lançadas à praia, e joeiradas no vai e vem das ondas. Quantas fibras do coração se doem, quando a vida nos sacode, quantos apegos secretos, vindos a lume, revelados nas crises que nos agitam, e obrigam as pequeninas feras a sair do esconderijo!...
     2. A provação enrijece. E então, somos obrigados a combater. Precisamos de fazer apelo a todos os recursos da alma e da graça. Temos de nos levantar a indolência a que nos habituáramos, de entrar na vida dura, que enrijece a vontade. A tempestade, ao passar, fez que a árvore se apegasse mais ao chão, deitando as raízes mais fundo. Formam-se, assim, hábitos de virtude, que são muito diferentes do descanso e da rotina. O hábito não é repouso, é força. Como, antigamente, as cartas de nobreza eram concedidas depois de grandes feitos militares, assim, nas tentações é que se alcançam os hábitos de virtude, que são a aristocracia da vontade, como lhes chamou profundamente um autor católico. As convicções tornam-se muito mais íntimas, porque se arraigam na vida difícil, porque as temos de defender e manter à custa de sangue.

CONCLUSÕES

     1. A tentação é a mortificação que Deus nos manda. Considerávamos, no domingo passado, que tinhamos de tirar prova, pela cruz, da nossa sinceridade moral. E que essa prova era a mortificação, garantia da pureza com que usamos das criaturas e servimos a Deus. Mas o Senhor, por seu lado, manda-nos também outras provas, consentindo que sejamos tentados para mostrarmos o que somos. A tentação é pois, a mortificação que Deus nos manda, como a mortificação é a tentação com que nós examinamos a nós mesmos.
     2. A tentação não são as ocasiões que nós buscamos. O que é preciso é que sejam provas que Deus nos manda, e não ocasiões de pecado, em que nos arriscamos. Porque, essas, já revelam apego à culpa, e supõem, por isso mesmo, que não estamos dispostos a usar das graças que Deus nos concede. Quem vai, indiscriminadamente, a teatros, cinemas e bailes, quem olha para tudo o que é prestígio do mal - como há de manter-se na tentação, se já vai vencido? Como há de resistir à vertigem o que a procura? 


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