sábado, 27 de janeiro de 2018

Meditação para o Domingo da Septuagésima

Pe João Mendes SJ

     Parábola dos operários da Vinha. Oferece-nos um sentido histórico, aplicável aos Judeus, e outro universal, relativo aos homens de todos os tempos. O significado da Alegoria, no seu aspecto aparentemente desconcertante, fala-nos duma justiça divina que não se ajusta aos moldes humanos, já que os supera infinitamente.
     Em rigor, ninguém tem direitos diante de Deus; e o Senhor é soberanamente livre na sua ação. De modo particular; a justiça de Deus está acima da justiça dos homens, e temos de aceitar-lhe o mistério.

1- O QUE FAZ O MÉRITO NÃO É O MUITO TEMPO OU ESTADO DE PERFEIÇÃO

     1. Aplicação aos Judeus. O povo escolhido foi chamado, logo na primeira hora, para trabalhar na vinha de Deus. Com ele estabeleceu Jeová a sua aliança, para ele era, antes de todos, o Messias. Só muito mais tarde, foram chamados os gentios, e com os mesmos privilégios dos eleitos da primeira hora. Daí, o escândalo judaico do espírito de casta, que se supunha com direitos diante de Deus, e que pensava em injustiça quando se via igualado com gentes impuras.

     Cristo mostra-lhes, agora, que o Senhor é livre na disposição de seus dons, que não se prende em contatos pequenos, e que sua justiça é mais ampla que os cálculos acanhados dos homens. Diante de Deus, " não há Judeu nem gentio"' - dirá depois S. Paulo ( Col 3,11)
     2. Aplicação a todos os homens. O que faz o mérito não é muito o tempo, nem certa fidelidade, longo tempo mantida. Na velhice ou no último momento, qualquer pecador, como o Bom Ladrão, ou aquele condenado por quem orou Santa Teresinha, pode ouvir o convite de acesso a eternidade. Esta é, substancialmente, a mesma para todos; é uma só a mesa do banquete, porque a glória é a visão da mesma Infinita Perfeição.
     E quanto à capacidade subjetiva de o gozar, quem sabe as surpresas que nos esperam? O poeta Rimboud levou uma bem triste vida de pecado; mas o sacerdote que o confessou, à hora da morte, declarou ter encontrado, poucas vezes, fé tão pura. Não admira, pois, que o Pai do Pródigo faça grande festa, quando chega o filho pecador! O mais velho, o da longa fidelidade, é que não devia estranhá-lo. Quem sabe em qual dos corações havia mais amor?

2. ...E QUEM RETRIBUI É UMA JUSTIÇA QUE SE CONFUNDE COM O AMOR 

     1. A justiça dos homens é cega, para ser igual para todos, porque só premia segundo as aparências. Nunca poderá julgar o íntimo dos corações que lhe são inacessíveis. Para ser perfeita é cega - e nisso está a sua pobreza; tem medo do amor e das suas parcialidades, e por isso, aplica, rigidamente, os princípios da igualdade para todos. Por isso, as leis dos homens são inflexíveis, e escravas da letra, como escravas são também as aparências. E que será, quando não é a justiça, mas a má vontade, o despeito ou o ciúme, quem julga das ações alheias?  Cristo recomendou-nos tanto que não julgássemos... e que seríamos medidos pela medida que usássemos com os outros... É que é muito difícil julgar, com acerto, um coração.
     2. Mas a Justiça de Deus confunde-se com o puro amor. É, portanto uma justiça muito mais misteriosa, desconcertante e clarividente, nas suas decisões. Não admira que a ação da Providência seja tão inacessível, e que brinque com as aparências e os alvedrios. Assim como as mães sabem ver, como ninguém, os méritos dos filhos, assim Deus vê muito melhor do que nós, e com uma clarividência perfeita, todos os desejos de bem que há, ocultos, no coração do maior dos desgraçados. Foi Cristo quem disse aos príncipes dos Sacerdotes e anciãos do povo : " Publicanos e meretrizes entrarão primeiro que vós, no Reino de Deus ..." ( Mt 21,3)
     O mistério da nossa liberdade só é compreensível por Deus, porque essa liberdade é um mistério no homem. E Deus desvenda esse segredo, precisamente, porque sua justiça é iluminada pelo amor. A justiça dos homens é cega, para que o amor não a corrompa; mas a de Deus, pelo contrário, é clarividente, porque olha com os olhos do amor, - e nisso está a sua excelência infinita. Quando, também nós, tivermos de julgar as vidas dos nossos irmãos, amemos o mais que pudermos, os nossos réus, porque, só assim, nos assemelhamos à justiça divina.

CONCLUSÕES

     1. Evitar o desânimo. Mudar na velhice? impossível. Tudo perdido, - Não. Nunca é tarde na vida para nos voltarmos para Deus. Porque só um ato, o da undécima hora, pode resgatar todo o passado, e merecer o mesmo prêmio que os que trabalham o dia inteiro. Sendo a justiça de Deus tão ampla e amorosa, sempre nos ficam motivos de esperança.
     2. Evitar o desleixo. Do fato de os últimos poderem redimir o atraso, com pouco tempo de trabalho, não se segue que quem trabalhar bem todo o dia não tenha mais mérito. Se o vinhateiro sai a contratar operários, logo de manhã, sinal é de que lhe agrada a diligência e se  bom trabalho da undécima hora é tão premiado, isso nos mostra que o bom trabalho das outras o será também. E sendo a justiça de Deus tão misteriosa, por se confundir com o amor, nem por isso a devemos tomar como indulgência transigente; mas temamos sempre, porque essa aliança misteriosa tanto joga a nosso favor como contra nós.

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