Segue um artigo interessantíssimo publicado na Civiltà Cattolica, revista dos jesuítas supervisionada pela Secretaria de Estado da Santa Sé, sobre o modelo da Congregação Mariana aplicado à realidade chinesa, de enorme escassez de sacerdotes, no século XVI. À época, mesmo tendo o auxílio dos sacerdotes uma vez ao ano, o cristianismo florescia e não se falava em relativizar o celibato sacerdotal.
“O missionário aparecia uma ou duas vezes ao ano”, por Nicolas Standaert, SJ, da La Civiltà Cattolica n. 3989, de 10 de setembro de 2016
No século XVII, os cristãos chineses não estavam organizados em paróquias, ou seja, em unidades geográficas em torno do edifício de uma igreja, mas em “associações”, as quais eram dirigidas por leigos. Algumas destas eram uma mistura de associação chinesa e de congregação mariana, de inspiração europeia.
Parece que estas associações estavam mais difundidas. Por exemplo, por volta de 1665 havia cerca de 40 congregações em Xangai, ao passo que havia mais de 400 congregações de cristãos em toda a China, tanto nas grandes cidades como nas aldeias.
O estabelecimento do cristianismo a este nível local se fez na forma de “comunidades de rituais eficazes”, grupos de cristãos cuja vida se organizava em torno de determinados rituais (missa, festividades, confissões, etc.). Essas eram “eficazes”, porque construíam um grupo e porque eram consideradas pelos membros do grupo como capazes de proporcionar sentido e salvação.
Os rituais eficazes estavam estruturados em base ao calendário litúrgico cristão, que incluía não apenas as principais festas litúrgicas (Natal, Páscoa, Pentecostes, etc.), mas também as celebrações dos santos. A introdução do domingo e das festas cristãs fez com que as pessoas vivessem segundo um ritmo diferente do calendário litúrgico utilizado nas comunidades budistas ou taoístas. Os rituais mais evidentes eram os sacramentos, sobretudo a celebração da eucaristia e da confissão. Mas a oração comunitária – sobretudo a oração do terço e das ladainhas – e o jejum em determinados dias constituíam os momentos rituais mais importantes.
Essas comunidades cristãs revelam também algumas características essenciais da religiosidade chinesa: eram comunidades muito orientadas para a laicidade com dirigentes leigos; as mulheres tinham um papel importante como transmissoras de rituais e de tradições dentro da família; uma concepção do sacerdócio orientado para o serviço (presbíteros itinerantes, presentes apenas por ocasião das festas e de celebrações importantes); uma doutrina expressada de maneira simples (orações recitadas, princípios morais claros e simples); fé no poder transformador dos rituais.
Pouco a pouco, as comunidades chegaram a funcionar de maneira autônoma. Um presbítero itinerante (inicialmente eram estrangeiros, mas já no século XVIII eram, majoritariamente, sacerdotes chineses) costumava visitá-las uma ou duas vezes ao ano. Normalmente, os dirigentes das comunidades reuniam os diversos membros uma vez por semana e presidiam as orações, que a maior parte dos membros da comunidade conhecia de cor. Os dirigentes liam também os textos sagrados e organizavam a instrução religiosa. Muitas vezes havia reuniões exclusivas para mulheres. Além disso, havia catequistas itinerantes que instruíam as crianças, os catecúmenos e os neófitos. Na ausência de um presbítero, os dirigentes locais administravam o batismo.
Durante a visita anual, que durava alguns dias, o missionário conversava com os dirigentes e os fiéis, recebia informações sobre a comunidade, interessava-se pelos doentes e os catecúmenos, etc. Confessava, celebrava a eucaristia, pregava, batizava e rezava com a comunidade. Quando partia, a comunidade retomava a sua prática habitual de rezar o terço e as ladainhas.
Por conseguinte, o cristão comum via o missionário uma ou duas vezes por ano. O verdadeiro centro da vida cristã não era o missionário, mas a própria comunidade, com seus dirigentes e catequistas como vínculo principal.
Principalmente no século XVIII e começo de século XIX, estas comunidades se transformaram em pequenos, mas sólidos, centros de transmissão da fé e de prática cristã. Por causa da falta de missionários e de presbíteros, os membros da comunidade – por exemplo, os catequistas, as virgens e outros guias leigos – assumiam o controle de tudo, desde a administração financeira às práticas rituais, passando pela direção das orações cantadas e pela administração dos batismos.
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