Consideremos também as razões deste amor e melhor entenderemos quanto nos ama essa boa mãe.
a) A primeira razão do seu grande amor para com os homens é o seu grande amor para com Deus. O amor a Deus e o amor ao próximo, como disse S. João, se contem debaixo do mesmo preceito. "E nós temos de Deus este mandamento, que o que ama Deus, ame também a seu irmão" (1jo 4,21) . De sorte que quanto cresce um, tanto o outro aumenta. Não foi porque muito amaram a Deus, que tanto fizeram os santos por amor ao próximo? Chegaram ao ponto de expor e perder a liberdade e até a própria vida pela sua salvação. Leia-se o que fez S. Francisco Xavier nas Índias. Lá galgava montanhas, enfrentava mil perigos em busca de miseráveis criaturas dentro das cavernas, onde habitavam como feras. E tudo fazia para converter e socorrer as almas desses gentios. Um S. Francisco de Sales, quanto não fez para converter os hereges da província de Chablais! Por espaço de um ano se arriscou a passar todos os dias um rio, de gatinhas por cima de uma trave gelada, a fim de ir á outra banda catequizar aqueles obstinados.
Para alcançar a liberdade ao filho de uma pobre viúva, entregou-se um S. Paulino por escravo. S. Fidélis pregava aos hereges de uma localidade para levá-los a Deus e alegremente perdeu a vida pregando. Coisas tão grandes fizeram os santos pelo amor do próximo, porque amavam ardentemente a Deus, Mas quem jamais amou a Deus como Maria? Ela amou-o mais no primeiro instante de sua vida, do que tem amado todos os anjos e santos em todo o decurso de sua existencia. Vê-lo-emos mais difusamente, quando falarmos das virtudes de Maria.
A própria Virgem revelou a Irmã Maria Crucifixa quão grande era o fogo de seu amor para com Deus. Nele colocado todo o céu e toda a Terra, em um instante seriam consumidos por suas labaredas. Disse-lhe também que, em comparação dele, todos os ardores dos Serafins eram como fresca Aragem. Não havendo, portanto, entre os espíritos bem-aventurados um só que no Amor a Deus exceda Maria Santíssima, não temos nem podemos ter quem abaixo de Deus manis nos queira, do que essa amorosíssima Mãe. Reuníssemos nós, enfim, o amor de todas as mães aos seus filhos, de todos os esposos a suas esposas, de todos os anjos e santos para com seus devotos, não igualaria todo esse amor que Maria tem a uma só alma. É mera sombra o amor de todas as mães a seus filhos, quando comparado ao de Maria para conosco, diz Padre Nieremberg. Muito mais nos ama ela só, diz o mesmo padre, do que amam uns aos outros os anjos e santos.
b) Além disso, nossa Mãe ama-nos muito, porque lhe fomos entregues por filhos pelo seu amado Jesus. Isto aconteceu quando, antes de expirar, lhe disse: " Mulher, eia o teu filho", indicando-lhe na pessoa de S. João a todos os homens, como já acima dissemos. Foram estas as últimas palavras que lhe dirigiu o Filho. As últimas instruções, porém deixadas por entes queridos na hora da morte, muito se estimam, e jamais se riscam da memoria.
De mais a mais somos filhos muito queridos de Maria, por que lhe custamos muitas dores. Em geral as mães tem mais predileções pelos filhos cuja vida mais trabalhos e dores lhes custou. Somos nós como estes filhos de dores. Pois Maria obteve nosso nascimento para a vida da graça, oferecendo à morte, ela mesma, a amada vida do seu Jesus, consentindo em vê-lo expirar diante de seus olhos, à força de sofrimentos. Desta grande imolação de Maria nascemos então nós à vida da Graça divina. Somos-lhe por conseguinte filhos mui queridos, porque lhe custamos muitas dores.
Do Eterno Pai diz o Evangelho que amou os Homens a ponto de por eles entregar à morte seu filho Unigênito (Jo 3,16) . O mesmo também, diz S. Boaventura, se pode dizer de Maria: Tanto amou os homens, que por eles entregou seu Filho Unigênito.
E quando foi que a nós o entregou? Deu-o, diz o Padre Nieremberg, quando lhe concedeu licença para entregar-se à morte. Deu-o, quando não defendeu a vida de seu filho perante os juízes, deixando os outros de a defender ao por ódio, ou por temor. Pois com certeza as palavras de tão sábia e desvelada Mãe teriam causado grande impressão, pelo menos sobre o espírito de Pilatos. E ele não ousaria condenar à morte um homem, do qual ele próprio reconhecera e declarara a inocência. Mas não, Maria não quis dizer uma só palavra a favor do Filho, por não impedira sua morte, da qual dependia a nossa salvação. Deu-o, finalmente, milhares de vezes, naquelas três horas, em que aos pés da cruz lhe assistiu a morte. Então com suma dor e com intenso amor para conosco, estava sacrificando por nós a vida de seu filho. E era-lhe tanta a constância, que se então faltassem os algozes, ela mesma crucificaria para obedecer à vontade do Pai, que decretara aquela morte para a nossa salvação. Assim discorrem S.Anselmo e S. Antonino.
Já em Abrão vemos um semelhante ato de fortaleza, querendo sacrificar o filho com as próprias mãos. Ora, devemos crer certamente que com maior constância o teria executado Maria, mais santa e mais obediente que Abraão. Mas voltemos ao nosso assunto. Qual não deve ser a nossa Gratidão para com Maria Santíssima por tanto Amor, por tanto sacrifício que fez a vida do Filho, com tão grande dor sua, a fim de nos alcançar a salvação? Largamente remunerou o Senhor a Abraão o sacrifício que quis fazer-lhe do seu filho Isaac. Mas nós, que poderemos dar a Maria pela vida que nos deu do seu Jesus, Filho muito mais nobre e amado que o filho de Abraão? Este amor de Maria muito nos obriga a amá-la, observa S, Boaventura. Pois não vemos como ela nos amou mais do que todas as criaturas, como entregou por nós seu Filho único, a quem amava mais do que a si Mesma?
c) Daí resulta um outro motivo do amor da Virgem para conosco. É que ela sabe que somos o preço da Morte de Jesus Cristo. Quanto não estimaria a um servo a mãe que o soubesse resgatado por seu filho querido, a preço de vinte anos de penoso cativeiro! Bem sabe Maria que o Filho não veio à terra senão para salvar-nos, como ele mesmo protestou: Eu vim salvar o que tinha perecido (Lc 19,10). E para salvar-nos despendeu até a própria vida, fez-se obediente até a morte na cruz. Se Maria nos amasse pouco, mostraria que pouco amava o sangue do Filho, que é o preço da nossa Salvação. Foi revelado a S.Isabel da Hungria que a Virgem, durante sua estadia no templo, toda se entregava em rogar a Deus se dignasse apressar a vinda de Jesus Cristo. Ora, tanto Maior devemos julgar seu amor para conosco, depois que viu quanto valemos para seu filho, que se dignou resgatar-nos por um preço tão elevado.
Santo Afonso Maria de Ligório
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