Não é sem motivo e sem boa razão que os servos de Maria a chamam de Mãe. Parece até que não sabem invocá-la com outro nome, nem se fartam de sempre lhe chamar de Mãe. Sim, Mãe, porque é verdadeiramente nossa Mãe, não carnal, mas espiritual, das nossas almas e da nossa salvação.
O pecado, quando privou a nossa alma da divina graça, a privou também da vida. Estávamos pois, miseravelmente mortos, quando veio Jesus, nosso Redentor, com excessiva misericórdia e amor, restituir-nos a vida pela sua morte na cruz. Ele mesmo o declarou: Eu vim para elas ( as ovelhas) terem a vida, e para terem em maior abundância.
Em maior abundância, porque, dizem os teólogos, Jesus Cristo com a redenção trouxe-nos maior bem, do que Adão mal nos causou com o seu pecado. Assim, reconciliando-nos ele com Deus, se fez Pai das almas na nova lei da graça como já havia profetizado por Isaías ao chamá-lo de "Pai do futuro e príncipe da Paz" (Is. 9,6). Mas se Jesus é Pai de nossas almas, Maria é a Mãe. Pois em nos dando Jesus, deu-nos ela a verdadeira vida. Em seguida proporcionou-nos a vida da divina graça quando ofereceu no Calvário a Vida do Filho pela nossa salvação. Em duas diferentes ocasiões tornou-se, portanto, Maria nossa Mãe espiritual, como ensinam os Santos Padres.
Primeiramente, quando mereceu conceber no seu ventre virginal o Filho de Deus, conforme diz S. Alberto Magno. E mais distintamente nos adverte S. Bernadino de Sena com as palavras: Quando a Santíssima Virgem deu à anunciação do anjo seu consentimento, pediu a Deus vigorosissimamente a nossa salvação; e de tal modo a procurou, que desde então nos trouxe nas suas entranhas como Mãe amorosíssima.
Falando do nascimento do Salvador, diz S. Lucas que Maria deu à Luz o seu Filho primogênito (Lc 2,7) . Logo, observa certo autor, se o evangelista afirma que então a Virgem deu a luz o primogênito, deve-se supor que depois teve outros filhos? Mas é de fé, continua o mesmo autor, que Maria não teve outros filhos carnais além de Jesus. Deve, por conseguinte, ser Mãe de filhos espirituais e esses somos todos nós. Isto mesmo revelou o Senhor à Santa Gertrudes.
Depois de ler um dia a citada passagem do Evangelho, ficou a santa completamente perturbada. Não podia entender como, sendo Maria Mãe tão somente de Jesus Cristo, se pudesse dizer que ele foi seu primogênito.E Deus lho explicou, dizendo-lhe que Jesus foi o seu primogênito segundo a carne, mas que os homens foram os outros filhos seus, segundo o espírito.
E com esta explicação se entende o que se diz de Maria nos Sagrados canticos: " o teu seio é como um monte de trigo, cercado de açucenas". O que explica S. Ambrósio, dizendo: No seio puríssimo de Maria havia só um grãozinho de trigo, que era Jesus Cristo. Não obstante ele é comparado a um monte de trigo pois naquele grãozinho estavam todos os eleitos, dos quais Maria também havia de ser Mãe. Por este motivo escreve S. Guilherme, abade; Maria, dando à luz Jesus, que é nosso Salvador e nossa vida, nos fez nascer a todos nós para a vida.
Pela Segunda vez Maria nos gerou para a graça, quando no Calvário ofereceu ao Eterno Pai, por entre muitos sofrimentos, a vida de seu Amado Filho pela nossa salvação. Porque ela então cooperou com o seu amor para que os fiéis nascessem para a vida da graça, por isso mesmo, segundo S. Agostinho, veio a ser Mãe espiritual de todos nós, que somos membros da Nossa cabeça, Jesus Cristo. Isto é precisamente o que se diz da Bem-aventurada Virgem nos Sagrados Cânticos: "Eles me puseram por guarda nas vinhas. Eu não guardei a minha vinha". Maria, para salvar as nossas almas, sacrificou com amor a vida de seu filho. Ou, como diz Guilherme, abade,: Imolou a sua alma para a salvação de muitas almas. E quem era a alma de Maria, senão o seu Jesus, o qual era a sua vida e o seu amor? Por isso lhe anunciou Simeão que a sua alma bendita havia de ser transpassada com uma espada. Falou da lança que transpassou o lado de Jesus, que era a alma de Maria. E então ela com as duas dores nos proporcionou a vida eterna. Por isso todos podemos chamar-nos filhos das dores de Maria.
Esta nossa amorosíssima Mãe sempre esteve toda unida à vontade de Deus. Assim viu quando o Eterno Pai amava os homens, observa S. Boaventura; conheceu também sua vontade de entregar o próprio Filho a morte pela nossa salvação;soube do amor do Filho em querer morrer por nós. Para conformar-se com este amor do Pai e do Filho para com o gênero humano, ela também com toda a sua vontade ofereceu e consentiu que seu Filho Morresse, a fim de que Fossemos salvos.
Verdade é que Jesus quis ser o único a morrer pela redenção do gênero Humano. " Eu calquei o lagar sozinho" (Is 63, 3). Mas viu como Maria desejava ardentemente tomar parte na salvação dos homens. Decidiu então que ela, com o sacrifício e a oferta da vida do seu mesmo Jesus, cooperasse para nossa salvação, e deste modo viesse a ser Mãe de Nossas almas. E isto quis dizer o Nosso Salvador, quando, antes de expirar, olhando da cruz para a sua Mãe e para o discípulo S. João, que estavam ao lado deles, primeiramente disse a Maria: Eis o Teu filho. Queria dizer: eis o homem que, pela oferta que fazes da minha vida pela sua salvação, já nasce para a Graça. E depois, voltando-se para o discípulo, lhe disse: Eis a tua Mãe !(Jo 19,27). Com tais palavras, disse S. Bernardino de Sena, Maia foi feita Mãe, não só de S. João, mas também de todos os homens, por causa do amor que teve para com eles. No parecer de Silveira, é este o motivo por que S. João, ao consignar a cena no seu evangelho, escreve: Em seguida disse ao discípulo: Eis a Tua Mãe! Note-se que Jesus Cristo não disse isso a João, mas ao discípulo. Fê-lo para significar que o salvador nomeou Maria por Mãe Universal de todos aqueles que, sendo Cristãos, tem o nome de seus discípulos.
ORAÇÃO:
Como é possível, ó Maria, minha Mãe Santíssima, que tendo uma Mãe tão Santa, tenha eu sido tão mau? Uma Mãe que toda arde no amor para com Deus, e eu ame as criaturas? Ó Mãe amabilíssima, já não mereço, é verdade, ser o vosso filho, porque de o ser me tenho indigno comas minhas culpas. Contento-me, pois, com que me aceiteis por vosso servo. Para ser o último de vossos servos, pronto estaria a renunciar a todos os reinos da terra. Sim, com este favor me contento. Entretanto, não me recuseis o de vos chamar de minha Mãe. Este nome consola-me, enternece-me, recorda-me o quanto sou obrigado a vos amar. Inspira-me também grande confiança em vós. Quando a lembrança dos meus pecados e da justiça divina me enche de terror, sinto-me reanimado ao pensar que sois minha Mãe, Minha Mãe amabilíssima. Assim vos chamo e assim quero sempre chamar-vos. Vós, depois de Deus, haveis de ser sempre a minha esperança, o meu refúgio e o meu amor neste vale de lágrimas. Assim espero morrer, entregando naquele ultimo instante a minha alma nas vossas mãos, e dizendo: Minha Mãe, minha Mãe, ajudai-me, tende piedade de mim. Amém.
Santo Afonso Maria de Ligório
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